MOLHABILIDADE DE SUPERFÍCIES

 

Entender como gotas interagem com superfícies é o fundamento para compreensão do molhamento. Neste vídeo apresentamos a formação de uma gota, em câmera lenta, quando um líquido entra em contato com uma superfície sólida rugosa.

Compreender os fenômenos relacionados à molhabiidade de superfícies é fundamental para o entendimento e o desenvolvimento de inúmeras soluções no âmbito da Engenharia de Superfícies. Este ramo da Engenharia de Materiais envolve um conjunto de técnicas dedicadas à solução de problemas afetos à proteção de superfícies contra a ação do meio envolvente. Enquadram-se aí os fenômenos físico-químicos da oxidação e da corrosão, à temperaturas ambiente ou não, assim como as modificações microestruturais resultantes de tratamentos termo-químicos ou adição de camadas de materiais selecionados para desempenhar funções específicas, inclusive tribológicas. As soluções de Engenharia visando diminuir o desgaste de materiais – fenômeno essencialmente superficial decorrente da interação com o meio – recorrem a tratamentos em que a interação entre as superfícies sólidas e o material protetor, na fase líquida ou gasosa é, fortemente, dependente da qualidade do molhamento da superfície sólida. No contexto da mineração, quando da etapa de Flotação, a molhabilidade das partículas em processo de separação é um dos fatores determinantes da eficiência do processo.

A molhabilidade depende diretamente do balanço das energias interfaciais sólido-líquido-vapor, sendo que a superfície de um sistema tem sempre um excesso de energia comparado ao seu interior e os átomos superficiais têm energia mais alta que os internos que estão rodeados de vizinhos. A molhabilidade pode ser estudada a partir de várias técnicas experimentais, sendo as mais conhecidas a elevação de um líquido em um capilar e o espalhamento de uma gota líquida sobre uma superfície sólida.

Quando uma gota toca a fase sólida (Fig. 1b), as áreas individuais sólido e líquido desaparecem, dando lugar a uma nova área sólido-líquido e a sua respectiva energia interfacial γSL. Baseado na Fig. 1b, a equação que descreve a energia de equilíbrio do sistema é: gSV = gSL + gLV.cos q

Figura 1(a,b): Representação do molhamento (a) antes e (b) depois do contato da gota com a superfície sólida.

Os valores experimentais dos ângulos de contato podem ser obtidos a partir de: medidas diretas do ângulo formado pela tangente da gota líquida com a superfície sólida do substrato; medidas das dimensões da gota (h= altura; r= raio) a partir de sua imagem.

A influência da rugosidade e de heterogeneidades das superfícies sólidas na molhabilidade tem sido fonte de vários estudos ao longo dos últimos anos. De acordo com estes trabalhos, os substratos preparados para os testes de molhamento devem ser: lisos, planos, horizontais, quimicamente homogêneos, de preferência inertes e estáveis em altas temperaturas no ambiente a ser testado. Porém, as superfícies dos sólidos não são perfeitas e em virtude disso pode haver alterações locais nas energias superficiais, proporcionando então medidas de ângulo de contato diferentes de uma condição ideal de equilíbrio. A esta variação do molhamento é dado o nome de histerese do ângulo de contato, e ela é definida como sendo a diferença entre o maior e o menor valor de θ para uma determinada condição experimental.

Os dois principais fatores que podem causar a histerese do ângulo de contato estão relacionados à heterogeneidade topográfica, causada pela rugosidade do substrato ou por porosidades superficiais (Fig. 2a); heterogeneidade química devido à presença de contaminantes, segregação e inclusões na superfície do sólido (Fig. 2b).

Figura 2(a,b) – Esquema ilustrativo de fatores que provocam a histerese do ângulo de contato (Δθ = θmax – θmin): (a) rugosidade da superfície do substrato e (b) heterogeneidade química da superfície (N. Sobczak et al., 2006).

Quando o experimento é realizado em atmosfera oxidante alguns fenômenos físico-químicos que ocorrem durante o aquecimento e/ou na temperatura do ensaio podem contribuir para provocar uma interpretação equivocada dos resultados experimentais. Alguns exemplos destes fenômenos são: oxidação do substrato, particularmente aqueles que possuem alta afinidade ao oxigênio quando examinados em ambientes contendo O2, H2O e CO2; oxidação da gota, que é mais comum em materiais metálicos como Al e suas ligas; remoção da superfície de substratos oxidados em sistemas sob vácuo ou em atmosferas redutoras melhorando o molhamento; remoção da superfície oxidada da gota metálica (por exemplo, Al – sob vácuo em temperaturas maiores que 827ºC);

O comportamento de formação da gota e do espalhamento dela sobre a superfície do sólido é passível de mudanças com a variação do tempo e da temperatura. Em altas

temperaturas e tempos prolongados pode-se observar a variação do formato da gota líquida, principalmente devido à infiltração do líquido nos poros do substrato e/ou também pela evaporação do material, implicando na obtenção de valores de θ distintos de uma situação em equilíbrio. Em temperaturas elevadas há uma crescente diminuição da viscosidade do líquido formado, proporcionando um aumento na velocidade de espalhamento deste sobre o sólido.

Diante do que foi apresentado e da necessidade de minimizar e entender as interações entre escórias e metais fundidos com os materiais refratários utilizados nos processos siderúrgicos, a técnica de molhabilidade apresenta-se como uma alternativa a ser utilizada na avaliação do desempenho dos refratários. Alguns trabalhos encontrados na literatura abordam o estudo de tais sistemas. Este pode ser o passo inicial para entender e prevenir a corrosão química a que estes materiais estão sujeitos, possibilitando o desenvolvimento de refratários de melhor desempenho com implicações na qualidade do processamento dos materiais metálicos. Durante o refino dos aços nos convertedores LD o desgaste dos revestimentos refratários é notório e decorre da interação do aço líquido com as superfícies dos revestimentos sólidos internos (tijolos de grande variedade composicional e graus de compactação (densidades) variados). Há pelo menos duas décadas, os tijolos de MgO-C têm sido amplamente empregados no revestimento para convertedores, em virtude da sua alta resistência à corrosão por escória básica e elevada resistência ao dano por choque térmico, concedidas, em parte, pelo carbono. A durabilidade dos tijolos refratários tem sido continuamente melhorada por meio de pesquisa e desenvolvimento focados na viabilização do emprego de matérias-primas mais nobres e, portanto, formulação de refratários mais sofisticados, tais como os que contém MgO eletro fundido, grafita de alta pureza, antioxidantes metálicos (Al, Mg etc.) e intermetálicos (B4C, ZrB, SiC), combinados a sistemas ligantes complexos.

Normalmente, os esforços para minimizar o desgaste do revestimento para convertedores apoiam-se em evidências empíricas, provavelmente por conta da complexidade dos processos siderúrgicos, em particular devido às altas temperaturas envolvidas que não facilitam o desenvolvimento de experimentos dedicados. Os tijolos de MgO-C quase sempre contemplam uma combinação atraente de alta resistência mecânica e elevada resistência à corrosão, incluindo resistência à oxidação. Porém, os esforços para privilegiar essas propriedades normalmente provocam redução da tenacidade do refratário, o que potencializa a propagação de trincas e a susceptibilidade ao lascamento do refratário.

Sumariamente, foi possível contextualizar a importância do molhamento de superfícies enquanto agente promotor e facilitador de degradação dos materiais, embora seja também o fenômeno que possibilita muitas das intervenções mitigadoras do desgaste, como é o caso da proteção das superfícies com tintas, filmes finos de alta performance mecânica, revestimentos espessos, etc.

Fenômenos como a oxidação das superfícies e dos detritos resultantes do arrancamento de partículas concorrem para a formação de partículas duras, em geral óxidos, que intensificam as pré-condições do sistema tribológico favorecendo os mecanismos abrasivos. A corrosão/oxidação das superfícies em contato intensifica a perda de material por destacamento dos filmes formados.

A seguir uma sequência de fotografias mostrando o molhamento de superfícies de amostras de Galena, Dolomita e de Apatita por diferentes líquidos (Depressores, Coletores) de interesse para o processo de Flotação.

Galena

Apatita

Dolomita

Sugestões para leitura

C. CHAN, B. B. ARGENT, W. E. LEE, “Influence of additives on slag resistance of Al2O3-SiO2-SiC-C refractory bond phases under reducing atmosphere”, J. Am. Ceram. Soc. 81,1998

E. M. M. EWAIS, “Carbon based refractories”, J. Ceram.Soc. Japan 112, 10 517-532, 2004

M. GUO, S. PARADA, P. T. JONES, J. VAN DYCK, E. BOYDENS, D. DURINCK, B. BLANPAIN, P. WOLLANTS, “Degradation mechanisms of magnesia-carbon refractories by high alumina stainless steel slags under vacuum”, Ceram. Int. 33,6 1007-1018. 2007

N. SOBCZAK, M. SINGH, R. ASTHANA, “High-temperature wettability measurements in metal/ceramic systems – some methodological issues”, Current Opinion Solid State Mater. Sci. 9  241-253, 2006

R. M. BALESTRA, S. RIBEIRO, S. P. TAGUCHI, F. V. MOTTA, C. BORMIO-NUNES, “Wetting behaviour of Y2O3/AlN additive on SiC ceramics”, J. Eur. Ceram. Soc. 26, 16, 3881-3886 – 2006    

S. ZHANG, W. E. LEE, “Influence of additives on corrosion resistance and corroded microstructures of MgO-Refractories”, J. Eur. Ceram. Soc. 21, 2393-2405 – 2001



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